Ao percorremos o caminho Biográfico, muitas vezes nos deparamos com algumas Crises. Fica mais fácil perceber isso quando alguém chega até o profissional de Aconselhamento Biográfico com um incômodo. Ao checarmos a idade da pessoa e o incômodo podemos identificar o tipo de Crise. Porém, pode ser que quando uma crise não foi bem enfrentada e vivida, ela volta independentemente da idade.
As Crises Biográficas podem parecer num primeiro momento algo bem linear e isolado. Percebo cada vez mais nos atendimentos que elas podem chegar juntas, de forma circular, misturando suas substâncias.
As principais Crises são:
Crise de Identidade
Esta crise geralmente acontece entre os 17 e 23 anos. Tem origem na nossa Ancestralidade e se revela quando estamos nos lançando para o mundo. É o momento em que começamos a nos reconhecer como um indivíduo e precisamos nos separar da Ancestralidade. Essa separação dói muito e tem a ver com fazer escolhas individuais. É um auto nascer! Nascer pelo nosso próprio ventre e não mais pelo ventre da nossa mãe.
Fazer escolhas individuais requer amparo Ancestral e não imposição, rigidez ou pressão. É um primeiro passo para aprender a desapegar. Quando não nos desapegamos num processo harmônico, ficamos aprisionados em padrões do pensar, sentir e querer ancestral que estão conectados às épocas culturais, leis verbais e não verbais impostas pela sociedade e histórias peculiares familiares. Muito disso, pode estar implícito no olhar ou no gesto ancestral repreendendo o novo, ou uma escolha diferente e que surpreende e incomoda a tradição.
Lembrando que nós fomos gerados e somos a melhor versão de duas culturas herdadas, a paterna e a materna.
Fazer escolhas nesta fase é, na medida do possível, não dar margem para abrigar sentimento de culpa, abandono, desvalorização, vitimização e infantilização, pois tudo isso impede o amadurecimento nas relações e nos ambientes futuros que esse jovem vai enfrentar.
Minha experiência nos atendimentos vem mostrando que quando essa crise não é bem superada ou não é superada, ela volta com mais intensidade aos 28 e 30 anos junto com a Crise dos Talentos e depois retorna aos 40 e 42 anos junto com a Crise de Autenticidade e ainda aos 56 em diante na Crise Existencial. Ou seja, esta é uma Crise que acompanha a nossa Biografia gradativamente e que nos leva a aprender sobre o auto nascer e auto educar sempre num movimento de superação ao longo do tempo.
Percebo que quanto mais um indivíduo busca por liberdade, mais profundo será o processo dessas crises ao longo da sua existência, até que se estabeleça a maestria da sabedoria interna. Sabedoria interna é um despertar gradativo e individual da consciência, quando aquilo que te incomodava passa a não incomodar mais.
Crise dos Talentos
Esta crise aparece quando já estamos vivendo a nossa individualidade nas atividades profissional e aplicando aquilo que aprendemos em algum curso de formação universitário ou não. São atividades que agora aos 28 ou 30 anos estamos fazendo com os “pés nas costas”, ou seja, muito fácil, e então, o indivíduo quer e busca um novo desafio.
Num movimento normal isto é saudável, pois impulsiona para uma nova descoberta, significa que estamos inteiros para seguir a diante e dar um próximo passo. Este passo pode ser: sair do ambiente profissional atual, empreender, mudar de área na organização, mudar de profissão, buscar por novos conhecimentos. Vejo esta crise como algo que impulsiona para frente. Claro que se esta crise vem acompanhada da Crise de Identidade, e o indivíduo ainda não saiu da casa dos pais, o incômodo é bem maior e a passagem para um próximo passo tem a tendência de ser complexa.
Sendo complexa ou não, buscamos respostas. É preciso entender o que está nos prendendo e a razão de não querer mais exercer aquela atividade ou qual a razão da pessoa ainda estar morando com os pais. Qual o motivo? Não estou feliz com as escolhas que fiz? Estou sofrendo para exercer aquela atividade? Como escolhi minha faculdade? Era o que eu queria mesmo? Como é o ambiente no qual entrego as atividades? Sinto desvalorização e falta de reconhecimento? Sinto abuso? Sem forças para agir? Exaustão?
Bem, este é o momento de realizar o Panorama Biográfico e descobrir tudo o que veio antes de chegar a esse ponto. Desenrolar o novelo e descobrir os fios e seus nós para sair da desvalorização pessoal e do atoleiro de emoções para começar a agir. Agir, fazendo novas escolhas e assumindo responsabilidade pelas novas decisões.
Crise de Autenticidade
Autêntico é tudo aquilo que está ligado ao legítimo, verdadeiro, sincero, justo e válido. A Crise de Autenticidade tem a ver com a individualidade de cada ser humano e o que ela entende e quer carregar, a partir dos 40 anos, sobre esse tema.
Nesta fase começamos a nos acolher mais. Percebemos o que nos alimenta internamente e o que já não queremos mais vivenciar e nem participar no externo da vida. Olhamos para tudo à nossa volta e buscamos por qualidade de vida, desapegar de pessoas e ambientes que não estão alinhadas ao nosso pensar, sentir e querer.
Estamos chegando perto dos 42 anos. São mais 21 anos de muita experiência vivida desde quando fomos em busca de ganhar o mundo quando completamos 21 anos. Esta é uma fase de nos tornarmos adultos fazendo escolhas mais assertivas. Nesta crise escuto muito a frase: “Isso eu quero e isso eu não quero mais para a minha vida”. “Estou separando o joio do trigo”.
Não é fácil! Cada individualidade traz a dor e a alegria de conseguir fazer essa passagem no seu tempo, no melhor da sua consciência. Muitos, não percebem esta crise aos 40 anos, pois ainda estão andando em “bando” ou seguindo a “manada”, como dizem. Podem perceber esta crise, próximo dos 56 a 60 anos e assim as crises vão se acumulando. Podemos demorar anos nesse processo para encontrar a nossa autenticidade e inclusive já percebi esta crise num novo formato nos atendimentos de pessoas com 70 anos.
Crise Existencial
A Crise Existencial entra na profundidade de conflitos internos carregados por medos, inseguranças, dúvidas, solidão, depressão e de não ser compreendido. É um constante questionar sobre o sentido da vida, seu propósito e carência por respostas. Sentimento de estar perdido sem saber que direção tomar.
Se este processo entra no campo da Filosofia, no diálogo com outras pessoas e tentar apaziguar o que está dentro de nós, nos cutucando por respostas, o Aconselhamento Biográfico contribui muito para o autoconhecimento, autodesenvolvimento e auto educar.
Casos de Crise Existencial profundos necessitam de acompanhamento psiquiátrico. Aliás, já deixei de atender por perceber que a pessoa necessitava de outros caminhos profissionais primeiro, antes de vir para a Biografia. O inverso também acontece, psiquiatras ou psicólogos indicando pessoas para realizarem a Biografia.
Observador de Nós Mesmos
Carregamos perguntas e muitas vezes não vamos obter a resposta, ela vai se dissolvendo ao viver a vida e trazendo o aprendizado que precisamos. Muitas vezes o “Vazio da Alma” necessita ser preenchido pelo “Viver a Vida” e andarmos de mãos dadas com o Tempo, um bom acompanhamento profissional e acolhimento familiar.
As crises biográficas são carregadas de emoções e processos internos individuais que promovem soluções individuais quando acompanhadas por profissionais capacitados. Podemos sim, ser um bom observador de nós mesmos para buscarmos a ajuda profissional adequada e necessária.
Nos conhecermos amplia a nossa consciência para sair da rota equivocada ou buscar uma saída do poço de água parada que nos prende ao melodrama emocional. A nossa guerra interna precisa ser compreendida e apaziguada, senão, como podemos contribuir para a paz que desejamos ver no mundo?
Abraços Libertadores!
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